Lula e a Autopromoção: “Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu ia ser presidente e trazer água para cá”

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Em evento recente na cidade de Cachoeira dos Índios, no sertão da Paraíba, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mais uma vez recorreu a uma narrativa hiperbólica para exaltar as obras de transposição do Rio São Francisco, projeto iniciado em 2007 sob seu primeiro mandato. Durante a cerimônia de entrega de uma etapa do Novo PAC, focada em infraestrutura hídrica, Lula atribuiu a si mesmo um papel quase messiânico, sugerindo que a ausência histórica de água no sertão nordestino seria parte de um plano divino que o teria escolhido para solucionar o problema. “Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu ia ser presidente e trazer água para cá”, declarou, em uma frase que mistura populismo com um tom de autoproclamação que beira o caricatural.

A fala, proferida em tom emocional, pareceu mais voltada a reforçar a imagem de Lula como salvador do Nordeste do que a discutir os méritos técnicos ou os desafios ainda enfrentados pelo projeto. A transposição do São Francisco, maior obra hídrica da América Latina, é inegavelmente um marco, mas suas promessas de transformação regional ainda estão longe de serem plenamente realizadas. Décadas de debates precederam o início das obras, e os atrasos, custos elevados e problemas de execução são questões que o discurso presidencial convenientemente omite. Ao afirmar que a obra foi “a decisão mais importante” de sua vida, Lula parece ignorar as críticas sobre a gestão do projeto, que enfrentou denúncias de superfaturamento e falhas de planejamento ao longo dos anos.

O presidente também aproveitou o evento para resgatar memórias pessoais, mencionando sua infância carregando “pote de água na cabeça” e até justificando a ausência de pescoço com essa experiência. A tentativa de conectar sua trajetória pessoal à luta do povo nordestino soa forçada, mais um recurso retórico para angariar empatia do que uma reflexão profunda sobre as políticas públicas necessárias para a região. A repetição dessa narrativa, que já se tornou um clichê em seus discursos, revela uma estratégia de campanha permanente, mesmo em eventos oficiais. Só faltou Lula dizer que foi na gestão anterior que realmente as águas do São Francisco começaram a fluir.

Mais cedo, em Salgueiro, Pernambuco, Lula assinou uma ordem de serviço para ampliar a capacidade de bombeamento do eixo norte da transposição, mas não resistiu à tentação de politizar o momento. Em tom eleitoral, criticou o governo anterior de Jair Bolsonaro (PL), chamando-o de “tranqueira” e acusando-o de espalhar “fake news” e operar a partir de um “gabinete do ódio”. A retórica de polarização, embora eficaz para mobilizar sua base, desvia o foco de uma discussão séria sobre os avanços e limitações do projeto de transposição. A insistência em atacar adversários em um evento técnico demonstra uma incapacidade de separar a gestão pública da campanha política, um padrão que tem marcado o atual mandato.

A transposição do São Francisco é, sem dúvida, uma obra de relevância histórica, mas o tom triunfalista de Lula mascara os desafios que persistem: a manutenção dos canais, os custos de operação e a necessidade de políticas complementares para garantir que a água chegue de fato às comunidades mais necessitadas. Em vez de um discurso que reconheça esses obstáculos e aponte soluções concretas, o presidente optou por uma narrativa autolaudatória, que exagera sua própria importância e simplifica uma questão complexa. Enquanto o sertão ainda aguarda os benefícios plenos da transposição, a população merece mais do que promessas divinas e ataques aos adversários — merece transparência e resultados.